A PAZ NA FAMÍLIA

 Se perguntarmos a uma pessoa recém-casada qual é o bem que mais deseja na família, provavelmente responderá: o amor.
 Se fizermos a mesma pergunta a um homem ou a uma mulher já maduros, com longos anos de convivência familiar, é provável que nos responda: a paz
 Nem todos dirão isso, certamente, mas muitos, sim. É que os anos de convívio entre marido e mulher, e entre pais e filhos, vão evidenciando, com luminosa clareza, que a paz é um bem inestimável, tanto mais precioso quanto mais frágil e difícil é de conseguir e de conservar.
 -  Paz!  Pelo amor de Deus, quero paz lá em casa! – dizem alguns , com gemidos de náufrago que já não agüenta mais segurar-se numa tábua no meio da tormenta.
 Têm ampla experiência das agruras da “guerra”: desavenças, incompreensões, brigas, maus humores, recriminações, injustiças, teimosias, desafios, reclamações monótonas...A esses, a harmonia parece-lhes um sonho que lhes escapou das mãos há muito tempo, como se fosse um balão perdido no espaço, sem meio algum de o recuperar.
 A harmonia familiar é um ideal que essas pessoas entristecidas amam, com um amor ardente e dolorido, unido à convicção amarga de que a paz familiar estável não existe na terra ou, caso exista, é uma loteria que não os contemplou. Uma loteria, uma questão de sorte. É assim que muitos vêem as alegrias da paz familiar. Uns são agraciados e outros não. Qualquer pessoa –
pai, mãe, filho- que se queixa da falta de paz familiar costuma dispor de uma explicação para essa infelicidade: a má sorte de ter que conviver com um cônjuge ou filhos – ou pais – de caráter difícil, de temperamento insuportável, de... Instintivamente, o queixume pela falta de paz toma a forma de uma acusação (...) é a grosseria do marido, é a indisciplina e o desrespeito dos
filhos, é a tirania irracional dos pais... Ou então: “É que não me compreendem, não me escutam, não acreditam em mim, não têm responsabilidade, não têm ordem, gritam à toa, ofendem... Assim, não é possível ter paz!”
 Em face dessa tendência para a acusação dos outros, parece-me muito sugestivo o seguinte comentário de um escritor brasileiro:
 “Nos casos de conflitos entre pessoas (o autor está tratando do divórcio), asseveramos que a única solução, o único termo ou desenlace perfeito só pode ser atingido quando se chega à confrontação leal e verídica de uma sentimento de culpa. Um desentendimento jamais poderá ser resolvido se as partes obstinadamente fogem dessa confrontação. Consegue-se um apaziguamento com evasivas, com fórmulas conciliatórias como aquela: ‘ninguém tem culpa’; mas só se consegue uma cura profunda e fecunda no momento em que cada parte queixosa seja capaz de um duplo ato moral: o do reconhecimento de sua culpa, na base de uma genuína humildade e o da ciência proporcionada e justa da culpa alheia, num ato de misericórdia, predisposto ao perdão (...). O remédio específico para os humanos desentendimentos não pode ser puramente psicológico.
Há de ser moral, e não é outro senão o ato de humildade e o ato de generosidade”.
 É um conselho lúcido e muito útil. Sim. Quando cambaleia ou naufraga a paz familiar, a primeira coisa que  devemos fazer é deixar de lado  toda e qualquer acusação, por objetiva e justa que pareça, e começar pela tarefa humilde de reconhecer as nossas culpas: “Qual é a minha parte de culpa no mal-estar familiar?” Ninguém nos pede que assumamos toda a culpa, mas sim que comecemos por enxergá-la e aceitá-la sem desculpas, como passo prévio para conquistar ou reconquistar a paz no lar.
 Depois disso, poderemos dar o segundo passo, o da ponderação serena e objetiva da culpa alheia, e então estaremos em condições de encarar essa culpa com a disposição generosa de compreender e perdoar, de corrigir e ajudar.

 Francisco Faus (A paz na família – Quadrante Soc. de publicações culturais – 1997)

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